5 de abril de 2008

Rebirth of Kitsch (3)

Haverá quem considere “música” a disco/soul/funky dos anos 1970. Claro que a elegância bem pensante Indie – sempre pronta a extasiar-se perante uns barulhentos quaisquer tipo Pixies – devota um ódio especial aos anos 70. A vítima principal é sem dúvida o rock progressivo. E logo a seguir, a muito pouca distância, o disco-sound e as suas múltiplas variantes. Poucas vezes na história da música popular se terá conseguido concentrar um tão grande conjunto de horrores num período de tempo tão reduzido: uma década que partilha coisas como os Boney M, Patrick Hernandez e o slap bass só pode estar marcada pelo ferrete da indignidade.
Nascida nos anos 60 – e, segundo informa a Wiki, ainda existente – a banda Kool & The Gang não poderá nunca pertencer a outra década que não à de 70 e à vaga disco/soul/funky que fez a fortuna da indústria musical da altura. Partilhavam com outros grupos dessa década de má memória o gosto pelas túnicas de corres garridas e pelas secções de metais demasiado altas (daquelas que não deixam ouvir as guitarras).
Entre todo o lixo pelo qual este tenebroso grupo é responsável, encontra-se o tema Cherish. Em Cherish tudo é mau. Começando pelo refrão: é difícil imaginar versos mais indigentes que estes que se seguem: “Cherish the love / cherish the life / cherish the love. / Cherish the love we have / for as long as we both shall live”. Depois temos os coros, intervalados pelas vocalizações tipicamente soul do solista. Não falemos do teledisco (assim mesmo, “teledisco”, tipo anos 70 e 80) e das inanes imagens dos membros do grupo a passear à beira-mar.
E no entanto…
No entanto, Cherish é melodicamente uma das canções mais bem conseguidas das últimas décadas. Tem harmonias delicadas e arranjos elegantes, que fundem as teclas com as vozes, tudo misturado com sábios salpicos de guitarra e uma secção rítmica discreta mas segura. Com os seus versos infantis, Cherish celebra a vida e a alegria de se estar vivo e rodeado por quem mais amamos.
Portanto: Cherish é uma canção estúpida de uma banda pirosa que representa o pior que a música popular nos deu nas últimas décadas. E é também uma grande canção!


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