8 de julho de 2008

Locomoção

Eu sei que não parece, mas é a mais absoluta verdade que tenho alguns amigos que são ou já foram directores ou directores adjuntos deste ou daquele serviço ou instituto público, assim como assessores e chefes de gabinete de governantes. Conheço mesmo um que foi ministro por algum tempo. Confesso que em determinada fase da minha vida considerei a minha própria pessoa digna de aceder a tão alto cargo; difícil desiderato, tendo em conta o meu individualismo radical: preocupo-me pouco ou nada com a coisa pública.
Nunca invejei estes amigos. Tal como não invejo os ricos: qual o interesse de passar o Verão em Ibiza ou de enjoar parvamente algures num iate no Mediterrâneo? De poder ter relógios Cartier ou um carro maior que o do vizinho? De comer uma minúscula dose de não se sabe bem o quê num restaurante do Ducasse? Sejamos claros: muito pouco.
A minha reacção às carreiras destes meus amigos é semelhante. Não lhes invejo nenhuma das vantagens, privilégios ou mordomias às quais podem ter acesso.
Excepto uma. A vergonha de me saber possuído por tão mesquinho sentimento nada pode contra a profundíssima inveja que tenho de toda a gente que tem direito a um carro com motorista. O estômago dói-me, transpiro, em suma: sinto subir em mim uma raiva profunda quando vejo um destes amigos chegar ou ir embora no carro com motorista do qual ele dispõe e é com enorme dificuldade que contenho a horrenda vontade que o dito amigo se estampe na próxima curva. Pensar nas preciosas horas que eu poderia poupar, nos sítios a que poderia mais rapidamente chegar e no conforto de não ter que passar meia-hora à procura de estacionamento, tudo graças a tão conveniente mordomia, desperta em mim uma incontrolável inveja contra tão privilegiada casta.
Esta inveja não é contaminada pela mínima ponta de orgulho. Se um destes amigos simpaticamente me oferece o motorista para eu ir a qualquer lado, aceito caninamente. Aliás, poucas vezes me senti melhor que quando um motorista – simultaneamente membro de uma força de segurança – me levou de algures em Lisboa a algures na Margem Sul, em plena hora de ponta, passando por todas as faixas de emergência e com aquele truque de chegar à Ponte 25 de Abril por um caminho secreto só conhecido por alguns privilegiados.
Eu sei. O que eu acabei de confessar é lamentável e se me restasse um mínimo de dignidade, calava-me bem caladinho e ia à minha vida.
Mas não. Há pior, caros leitores, muito pior.
Em certo momento, em plena aceleração na faixa de emergência naquele carro “à paisana”, foi com uma tristeza inconsolável que me apercebi que o meu simpático motorista emprestado não ia pôr o braço fora da janela e meter o “pirilampo” a apitar no tejadilho. Maricas!

2 comentários:

T disse...

Ainda me estou a rir. Quando quiser ofereço uma voltinha com rotativos!
:)

bloom disse...

olha que eu aceito, t. !